Em pleno século XXI, num país sob os efeitos de uma mudança climática com eventos catastróficos e dificuldades cada vez mais sérias para expandir a geração de energia, é possível que um Ministro de Energia e Minas diga aos cidadãos para usar e abusar da já escassa energia elétrica disponível? Foi isso o que se compreendeu quando Edison Lobão falou alto e claro para “ligar seu ar condicionado”, pois não falta ou faltará energia no Brasil.
Que país é este onde as autoridades constituídas instigam o consumo abusivo de energia? Apesar dos apagões dos últimos meses, a razão para estimular o aumento do consumo é óbvia: está em curso uma decisão do governo de reduzir as tarifas elétricas, algo justificável para o uso industrial, mas não para o doméstico. Parece que o governo pretende criar um colapso.
Não saberão os governantes que parte significativa da energia elétrica se perde ou é mal gasta? Sabem quanto está se perdendo, no futuro, em possibilidades no uso de recursos hídricos limpos, aproveitamento da fauna aquática e possibilidades correlatas de lazer e agricultura? Será que eles têm noção da quantidade de destruição em florestas, terras indígenas e áreas protegidas que deverão alagar para satisfazer esse consumo adicional?
Custos ambientais
Para se construir novas usinas hidroelétricas no rio Tapajós e no Madeira, por exemplo, 9 unidades de conservação foram redelimitadas, diminuídas ou sofreram mudança de categoria. O desenvolvimento a qualquer custo está posto, junto com o desastre ambiental associado. O mais triste: essas decisões talvez sejam decorrência de despreparo científico e técnico dos tomadores de decisão, e não somente corrupção ou má fé. Será que entendem o que falam?
Especialistas em energia me dizem que poderíamos economizar até 15% de energia apenas com um programa de uso adequado, esclarecendo os usuários sobre como não desperdiçar um recurso que escasseia no mundo todo. Na contramão, nossos mandatários querem baixar o preço da energia e estimular o consumo para, assim, construir mais hidroelétricas e termoelétricas.
O custo de uma hidroelétrica pode ultrapassar 22 bilhões de reais. Os brasileiros precisam saber que esta dinheirama sai do seu bolso. Poderia ser muito melhor usada na educação, saúde ou na área ambiental, onde traria mais benefícios sociais sem desalojar índios ou ribeirinhos. Se economizássemos 7% ao ano do gasto energético doméstico, o país liberaria recursos expressivos para poupar e proteger parte da nossa biodiversidade.
Senhor ministro, é verdade que nós ambientalistas gostamos de usar ar-condicionado, mas quando necessário. Saber como e onde usá-lo, eis a questão.
Faço minha pequena contribuição. Na minha casa toalhas e lençóis não são passados e banhos quentes só no inverno. Uso aquecimento solar e captação de água de chuva. Dessa forma, não vivo como uma troglodita. Ao contrário, obtenho os benefícios da tecnologia disponível. Como ambientalista, reduzo a minha pegada ecológica e ensino igual aos meus filhos e netos.
Continuarei a protestar contra escândalos como Balbina ou Belo Monte e todas as demais hidroelétricas que estão destruindo ou barrando os nossos rios.
Como fizeram o ministro e outras autoridades, a apologia ao uso irrestrito da energia é uma afronta ao bom senso e ao desenvolvimento e bem-estar humanos.
Autor: Maria Tereza Pádua* - Fonte: O Eco
*Engenheira agrônoma e fundadora da Funatura, membro do Conselho da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e da comissão mundial de Parques Nacionais da UICN.
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