Novo relatório do Greenpeace mostra quais são as grandes companhias que dificultam as negociações climáticas regionais, nacionais e internacionais a fim de atender a seus interesses de mercado.
Talvez você já tenha se perguntado por que as negociações climáticas costumam ser tão pouco produtivas se tantos governos e empresas mostram apoio às causas ambientais. Mas um novo documento do Greenpeace revela que por trás do discurso de sustentabilidade, muitas companhias praticam lobby para atrapalhar iniciativas que tentem mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
O relatório Who’s holding us back (intitulado Os responsáveis pelo atraso em português), lançado nesta quarta-feira (23), mostra quem são, o que e como fazem as grandes companhias poluidoras que exercem esse tipo de pressão a fim de favorecerem seus negócios, mesmo que isso signifique desestimular uma economia mais sustentável. Entre as corporações, estão a Shell, a BASF, a Eskom, a ArcelorMittal, a BHP Billiton, e a Koch.
“Nesse relatório, documentamos os estratagemas do comércio que corporações poluidoras como a Eskom usam para puxar as cordas de nossos políticos e enganar o público. Expomos a rede de influência que essas companhias usam não apenas com nossos líderes, mas colocando países inteiros uns contra os outros para conter ações para o clima”, explicou Melita Steele, ativista climática do Greenpeace África.
Um dos exemplos é da carbonífera sul-africana Eskom, que declara que “está trabalhando estreitamente com o governo para garantir que a Conferência das Partes (COP 17) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Durban no final do ano seja um sucesso” e que “eletricidade limpa é uma solução fundamental para o desafio das mudanças climáticas”, mas cujo discurso fica bem distante de suas ações.
Na realidade, a empresa é praticamente um monopólio africano, que sozinha produz cerca de 45% da energia da África e 95% da eletricidade da África do Sul, além de contribuir com quase metade (45%) das emissões sul-africanas. A firma inicialmente assumiu um compromisso de reduzir 10% de sua dependência de carvão entre 2002 e 2012, mas em vez disso, a intensidade de carvão da companhia cresceu neste período.
Além disso, sendo uma corporação estatal, a Eskom tem um papel extremamente influente nas políticas e regulamentações ambientais não apenas sul-africanas, mas na esfera internacional, sendo chamada constantemente a dar suporte técnico, logístico e financeiro e a ter participação na formação de opinião parlamentar em vários subcomitês.
“Em 2010, a Eskom contribuiu com cerca de metade das emissões de gases do efeito estufa da África do Sul, e a empresa é ainda membro do grupo de negociação do país, além de continuar a alimentar a inclinação nacional ao carvão através da construção das estações energéticas carboníferas de Medupi e Kusile”, elucidou Steele.
Outro exemplo é da alemã BASF, uma das maiores corporações químicas do mundo. Seu diretor-executivo, Juergen Hambrecht, é reconhecidamente um cético do clima, e em 2010 a empresa se uniu a outras grandes firmas como a RWE, a E.ON, a Vattenfall e a EnBW para pressionar o governo alemão a manter a energias carbonífera e nuclear em sua futura estratégia energética.
“Tenho um problema com o termo ‘mudanças climáticas’. É carregado de medo. O clima é um sistema muito complexo, e sempre mudou. Se há uma coisa que não podemos fazer é nos permitirmos ter medo e procurarmos satisfação emocional em campanhas de curto prazo”, afirmou Hambrecht em uma entrevista em 2007.
A companhia também agiu fora da Alemanha, tendo doado US$ 61,5 mil a senadores norte-americanos que se opunham a políticas climáticas. Com este apoio, muitos destes senadores fazem agora parte da maioria na Câmara dos Deputados dos EUA, opondo-se sempre às políticas pró-clima.
Dilema
“Os governos devem liderar o caminho rumo à transformação necessária na economia mundial, mas a força das empresas precisa ajudar isso a acontecer”. A frase de Christiana Figueres, secretária executiva da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), exemplifica bem o dilema da relação entre governos e corporações na hora de se criar e desenvolver políticas ambientais.
Se por um lado o apoio empresarial é fundamental para o estabelecimento de tais políticas, uma forte dependência do setor pode, por outro lado, dificultar essas iniciativas. “Nossos governos devem trabalhar e aprender com o setor empresarial, mas não evitaremos os impactos irreversíveis das mudanças climáticas a menos que eles escutem e ajam em favor de seus cidadãos. Durante as negociações climáticas da ONU em Durban, incitamos os governos a ouvir as pessoas, não as corporações poluidoras”, enfatizou Steele.
Por isso, o documento enumera uma série de ações que governos devem executar na COP 17 juntamente com firmas que realmente busquem o desenvolvimento de uma economia verde. Entre elas, estão: reduzir as emissões globais até 2015; aproximar políticas de pareceres científicos; garantir a continuidade do Protocolo de Quioto; fornecer o financiamento climático internacional necessário; estabelecer um quadro para proteger florestas; lidar com as necessidades dos países e comunidades mais vulneráveis; assegurar uma cooperação global para finanças tecnológicas e energéticas e garantir transparência, democracia e participação íntegra no processo da UNFCCC.
“Há um grupo sério de companhias que tem uma voz que é muito mais forte, que é mais consolidada, que opera em muito mais unissonância e que ainda está preso a tecnologias e combustíveis de ontem. Então se não tivermos uma voz que seja igualmente orquestrada com argumentos que sejam ao menos igualmente convincentes, então os governos tomarão decisões muito tímidas”, afirmou Figueres.
“Nossa investigação mostra que há muitas empresas poluidoras poderosas que exercem forte influência no processo político para proteger seus interesses particulares. O Greenpeace pede aos políticos que detêm o destino de nossa economia e meio ambiente em suas mãos em Durban para escutarem as pessoas em vez das empresas que poluem, como a Shell, a Eskom e a Koch”, concluiu Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace Internacional.
Fonte: Instituto CarbonoBrasil/Greenpeace