A poucos dias do início da conferência Rio+20 em
nível de chefes de Estado e delegações ministeriais, parece pouco provável que
se possa avançar além de declarações genéricas de intenções, sem nenhum
compromisso obrigatório de cumprimento imediato – tão intrincadas e difíceis de
chegar a práticas concretas parecem as questões centrais do evento (economia verde
e governança sustentável). No entanto, “não haverá tempo para uma Rio+40″,
sentenciou o economista indiano Pavan Sukhdev (O Globo, 6/6), diante da
urgência das questões de hoje no mundo, a começar por “um novo modelo de
empresa para o século 21″ e a “redução do consumo nos Estados Unidos para 20%
do volume atual”. “Estamos nos comportando como idiotas. A questão do
desenvolvimento sustentável não é para a próxima geração, é para a nossa”,
pensa ele.
Esse cenário de dificuldades não implica que sejam irrelevantes no Rio as muitas discussões da sociedade – ONGs, empresas, órgãos governamentais, etc. Ao contrário, são muito importantes. Farão avançar a consciência – e as ações. Só não se sabe ainda como caminhar em direção aos temas maiores, que exigem mudanças no plano global, porém obrigatórias em cada país. E aí entram em cena os interesses específicos de cada um e, em âmbito nacional, visões diferenciadas e contraditórias, entre elas de governos, empresas, organizações, cidadãos.
Mesmo admitindo que a consciência social já tenha avançado muito em toda parte, inclusive no Brasil, ainda assim estamos longe de consensos. Basta ver as informações da pesquisa divulgada há poucos dias (5/6) pelo Ministério do Meio Ambiente. Mesmo com forte avanço sobre a de 20 anos atrás, ela mostra que 10% dos brasileiros nem sequer sabem apontar um problema “ambiental” em sua cidade ou bairro. E o que fazer, se mais de metade da população ainda não inclui “no seu repertório” questões como consumo sustentável, desenvolvimento sustentável e biodiversidade? Como chegar, assim, a regras universais? Ainda mais lembrando que mais de dois terços dos entrevistados relacionam desenvolvimento sustentável apenas com a “não destruição dos recursos naturais”?
Nesta hora, para ver como é intrincada e complexa a chamada questão ambiental, vale a pena consultar a alentada (1.280 páginas) 20.ª edição do livro Direito Ambiental Brasileiro, em que o competente jurista Paulo Affonso Leme Machado vem compilando e comentando há duas décadas o complexo quadro dessa área no País, bem como a profusa legislação a respeito. Nessa edição, além das novas normas sobre licenciamento ambiental, foram incluídos, entre outros temas, comentários e interpretações sobre o princípio da sustentabilidade; um novo capítulo sobre direito à iluminação e energia solar; e a análise do julgamento de um dos mais graves casos de poluição do ar, ocorrido em Bhopal, Índia, há quase 20 anos, e que deixou 3.828 mortos e 25 mil pessoas lesadas. O processo criminal só se concluiu em 2010, com indenizações de US$ 470 milhões e seguro médico para 100 mil pessoas, a cargo da empresa (Union Carbide Índia Ltd.), fabricante de inseticidas à base de isocianato de metila – além de penas de prisão para operadores da fábrica, por negligência e incompetência.
É tema muito relevante para o Brasil, na hora em que se revela levantamento (O Globo, 6/6) segundo o qual nesta área estamos mais do que atrasados: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conta apenas com 21 pessoas para analisar processos na área de agrotóxicos, num país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados; o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) conta só com 16 para analisar o risco ambiental; e o Ministério da Agricultura, com apenas 7 técnicos para analisar agrotóxicos. Nos Estados Unidos, só a Agência de Proteção Ambiental dispõe de 854 técnicos para analisar os processos.
Se se quiser partir para outro ângulo, chega-se ao mais recente relatório da Agência Nacional de Águas (4/6), em que se vê que continuamos a tratar apenas 30% dos esgotos coletados (que são pouco mais de metade do total gerado). Que a indispensável cobrança pelo uso da água chega a apenas quatro bacias hidrográficas da União. E que apenas 6% da água no Brasil tem “qualidade ótima”, enquanto 7% é de nível “ruim” e “péssimo”.
“Como avançar com as diversas realidades brasileiras – econômica, social, ambiental – e torná-las compatíveis com um século 21 sustentável?” – perguntou no Senado, em Brasília, no Dia do Meio Ambiente, o executivo-chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner. Como impedir, por aqui, que a transição para a “economia” verde se transforme apenas em transição para venda de recursos naturais, de commodities verdes? Como valorar serviços prestados pelas florestas, pela água, pela terra, sem que eles sejam apenas considerados valores negociáveis? Como atualizar nossos órgãos de governo, inclusive na área específica? Como dar mais poderes ao Pnuma, transformá-lo em órgão executivo de caráter planetário? Como levar cada país a abandonar o ultrapassado formato de avaliar seu desempenho apenas medindo as ações e os produtos de natureza econômica?
Se esse critério fosse revisto, e incluídos os custos ambientais, lembrou Steiner, o PIB da Índia em 50 anos cairia da média de 2,96% ao ano para 0,31%; na China, só a inclusão dos custos na saúde gerados pela má qualidade da água significaria US$ 100 bilhões anuais, em torno de 5,8% do produto bruto; e no Brasil, a redução no período 1990/2008 seria de 34% para 3%, se incluídas perdas de “capital natural”.
A caminhada de fato será longa e difícil, e a Rio+20 mostrará isso. Será preciso, também por esse motivo, estarmos atentos às evidências de urgência – se não queremos optar pelo pior, como múltiplos diagnósticos e relatórios, de instituições abalizadas, têm mostrado, em tantas áreas.
Esse cenário de dificuldades não implica que sejam irrelevantes no Rio as muitas discussões da sociedade – ONGs, empresas, órgãos governamentais, etc. Ao contrário, são muito importantes. Farão avançar a consciência – e as ações. Só não se sabe ainda como caminhar em direção aos temas maiores, que exigem mudanças no plano global, porém obrigatórias em cada país. E aí entram em cena os interesses específicos de cada um e, em âmbito nacional, visões diferenciadas e contraditórias, entre elas de governos, empresas, organizações, cidadãos.
Mesmo admitindo que a consciência social já tenha avançado muito em toda parte, inclusive no Brasil, ainda assim estamos longe de consensos. Basta ver as informações da pesquisa divulgada há poucos dias (5/6) pelo Ministério do Meio Ambiente. Mesmo com forte avanço sobre a de 20 anos atrás, ela mostra que 10% dos brasileiros nem sequer sabem apontar um problema “ambiental” em sua cidade ou bairro. E o que fazer, se mais de metade da população ainda não inclui “no seu repertório” questões como consumo sustentável, desenvolvimento sustentável e biodiversidade? Como chegar, assim, a regras universais? Ainda mais lembrando que mais de dois terços dos entrevistados relacionam desenvolvimento sustentável apenas com a “não destruição dos recursos naturais”?
Nesta hora, para ver como é intrincada e complexa a chamada questão ambiental, vale a pena consultar a alentada (1.280 páginas) 20.ª edição do livro Direito Ambiental Brasileiro, em que o competente jurista Paulo Affonso Leme Machado vem compilando e comentando há duas décadas o complexo quadro dessa área no País, bem como a profusa legislação a respeito. Nessa edição, além das novas normas sobre licenciamento ambiental, foram incluídos, entre outros temas, comentários e interpretações sobre o princípio da sustentabilidade; um novo capítulo sobre direito à iluminação e energia solar; e a análise do julgamento de um dos mais graves casos de poluição do ar, ocorrido em Bhopal, Índia, há quase 20 anos, e que deixou 3.828 mortos e 25 mil pessoas lesadas. O processo criminal só se concluiu em 2010, com indenizações de US$ 470 milhões e seguro médico para 100 mil pessoas, a cargo da empresa (Union Carbide Índia Ltd.), fabricante de inseticidas à base de isocianato de metila – além de penas de prisão para operadores da fábrica, por negligência e incompetência.
É tema muito relevante para o Brasil, na hora em que se revela levantamento (O Globo, 6/6) segundo o qual nesta área estamos mais do que atrasados: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conta apenas com 21 pessoas para analisar processos na área de agrotóxicos, num país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados; o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) conta só com 16 para analisar o risco ambiental; e o Ministério da Agricultura, com apenas 7 técnicos para analisar agrotóxicos. Nos Estados Unidos, só a Agência de Proteção Ambiental dispõe de 854 técnicos para analisar os processos.
Se se quiser partir para outro ângulo, chega-se ao mais recente relatório da Agência Nacional de Águas (4/6), em que se vê que continuamos a tratar apenas 30% dos esgotos coletados (que são pouco mais de metade do total gerado). Que a indispensável cobrança pelo uso da água chega a apenas quatro bacias hidrográficas da União. E que apenas 6% da água no Brasil tem “qualidade ótima”, enquanto 7% é de nível “ruim” e “péssimo”.
“Como avançar com as diversas realidades brasileiras – econômica, social, ambiental – e torná-las compatíveis com um século 21 sustentável?” – perguntou no Senado, em Brasília, no Dia do Meio Ambiente, o executivo-chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner. Como impedir, por aqui, que a transição para a “economia” verde se transforme apenas em transição para venda de recursos naturais, de commodities verdes? Como valorar serviços prestados pelas florestas, pela água, pela terra, sem que eles sejam apenas considerados valores negociáveis? Como atualizar nossos órgãos de governo, inclusive na área específica? Como dar mais poderes ao Pnuma, transformá-lo em órgão executivo de caráter planetário? Como levar cada país a abandonar o ultrapassado formato de avaliar seu desempenho apenas medindo as ações e os produtos de natureza econômica?
Se esse critério fosse revisto, e incluídos os custos ambientais, lembrou Steiner, o PIB da Índia em 50 anos cairia da média de 2,96% ao ano para 0,31%; na China, só a inclusão dos custos na saúde gerados pela má qualidade da água significaria US$ 100 bilhões anuais, em torno de 5,8% do produto bruto; e no Brasil, a redução no período 1990/2008 seria de 34% para 3%, se incluídas perdas de “capital natural”.
A caminhada de fato será longa e difícil, e a Rio+20 mostrará isso. Será preciso, também por esse motivo, estarmos atentos às evidências de urgência – se não queremos optar pelo pior, como múltiplos diagnósticos e relatórios, de instituições abalizadas, têm mostrado, em tantas áreas.
Fonte: EcoDebate/O Estado de
S.Paulo
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